quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

A sombra mostrou o que a luz escondia.

Ela abriu a porta com certo receio em me convidar para entrar. Percebi que não conseguia me olhar nos olhos. Fiquei matutando se por ódio ou medo que eu visse o vermelho eminentemente intenso que pairava sobre suas pupilas, e ela tinha razão, vermelho e verde não são boas combinações.
Tentei não parecer grande demais a sua frente, mas não tenho culpa dos nossos 5 cms de diferença, mas deixa, em quase todas as outras coisas sou menos mesmo.

– Entra.. Senta se quiser, vou pegar suas coisas. – Só conseguia encarar o chão, tentando tirar de algum lugar a vontade de fechar a porta e ficar. Mas só encontrei desejo pelo clarão da lua, lá fora.

Quando dei por mim, também estava com os olhos lagrimejados. Como lidar com o sentimento de querer fugir, sair correndo de um lugar que antes, era o único que me fazia sentir em casa?
Finalmente consegui juntar forças e levantar a cabeça. Pude ver de relance seu vulto pequeno e magro pelo vão da porta entreaberta... Juntando minhas coisas, acredito. Coisas essas que até pouco tempo atrás eram nossas. Respirei fundo, levei as mãos até o bolso mandando esses pensamentos mordidos embora.
Te vi voltando, me peguei sorrindo, como sempre fiz ao te ver caminhando na ponta dos pezinhos 35, toda menina, realmente me lembrando uma criança.
Disfarçei de imediato o riso bobo quando senti seu corpo mais próximo. Sem emitir som algum, e com os olhos em um vermelho mais forte, me entregou uma caixa.. Meus braços vacilaram, quase deixando a caixa cair..
Me recompus.

– Está pesada, não sabia que havia tantas coisas minhas aqui. – Tentei ser cordial. Mas ela respondeu de forma mecânica, dispensando a casualidade:
- Não quero mais nada seu aqui, nada que possa me remeter a você. – Cruzou os braços, como se estivesse sentindo frio. Duvido, faziam 27º lá fora.

Tentei escolher as palavras, nenhuma me parece certa, me dei conta que talvez não houve o que dizer. Era evidente sua inquietação, ponderando em me mandar longo embora e bater com a porta na minha cara.. Não o fez. Cogitei então, que a agonia fosse sobre a espera por alguma frase minha. Entendi que precisava ser sincera, poderia não haver outra chance:

– Eu não queria que tivesse sido assim, que precisássemos nos afastar, que pensasse coisas tão amargas sobre nos, sobre mim, que nada tem a ver com a verdade. Fiquei aqui parada por exatos 10 min e 32 segundos, buscando aquela sensação de novo, em querer ficar, em querer que você me pedisse para ficar.. Porém, falhei, não senti nada, nada. Vou sentir falta do lugar.. Gosto da vista para os prédios, dos carros lá embaixo. Gostava de imaginar a vida de cada uma daquelas pessoas, mas não me veio a mente nós na cozinha, eu te ensinando a cortar a cebola sem chorar.. Era a única coisa que eu sabia fazer com uma faca na mão, não lembrei do seu riso solto quando contei que vi isso em um programa medíocre de tv... Sabe, eu não pensei em nada! Eu só consigo sentir vazio. Te ver agora só me fez ter certeza que não podemos mais nos machucar assim. Se eu não consigo mais te fazer feliz, quero que você tenha alguém que possa.. E eu também preciso ser feliz, sem ter que fazer todo esforço do mundo para sorrir.
Finalmente as palavras se silenciaram. Usei de toda minha coragem para lhe encarar diretamente nos olhos, notei as pequenas gotas salgadas que desciam pelo seu rosto delicado.
Ao ver aquela cena, minha vontade era de te pegar no colo e secar cada uma delas.. Não podia, não devia, era esse o ciclo vicioso que nos destruiu. Eu teria que ser forte.. Lutei contra o conflito das minhas emoções, contra mim, e contra sua expressão, que me era como uma facada no peito. Permaneci rígida sobre os calcanhares, de repente, meu corpo parecia pesado demais.. Tive medo de perder o equilíbrio.

– Sai! Você tem razão, não tem porque lutar contra a merda do seu egoísmo.

Soltei um riso sem perceber, era rir ou chorar. Interiormente eu me questionava sobre onde a mulher que amei foi parar. Me calei, ajeitando a caixa embaixo dos braços, e devagar alinhei um passo atrás do outro até a porta. Quando o esperado aconteceu, eu, os vizinhos e o bairro todo ouviram seu grito.

– Eu não acredito no seu amor, tudo não passou de uma mentira, e vejo isso agora.

Não me incomodei em olhar para trás, levei a mão até a maçaneta da porta e a puxei. Então falei em um tom grave, mas baixo, mais para mim, do que para ela:

– Fica tranquila, não voltarei. Se você não teve a graça para perceber meus sacrifícios e meu sentimento. Retiro o que disse, é exatamente assim que eu queria que as coisas fossem.

Passei para o outro lado, no corredor. Puxei a maçaneta fechando a porta, sem esperar uma resposta. Puxei o ar, e demoramente o soltei. Definitivamente estava com a consciência como nunca antes.. Poderia definir como paz, ou não definir, preferi a segunda opção. Agora era hora da luz do clarão da lua.

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